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Choro compulsivo

Lembro-me a primeira vez que entrei num cemitério. O meu melhor amigo de infância tinha morrido. Sei que na altura já não eramos, aqueles, os grandes amigos. Eramos outros, ou melhor, eu era outro e ele tinha acabado de ser o que quer que seja. Noutra vida, acredito que, um dia, passe aqui por perto. Lembro-me da mãe dele agoniada, com soluços estridentes e ensurdecedores. O pai não transmitia emoções e mantinha a cara fechada que sempre teve. O irmão acabava de perder mais de metade do seu coração. Nunca vi ninguém defender alguém como ele defendia o Migo. Eu não sabia o que havia de sentir. Claro que estava triste, mas não senti grandes emoções. Talvez abafado por todo o terror que me rodeava. Fiquei impávido e sereno, temendo os meus próprios sentimentos. Olhava em redor e uma roda enorme de gente assistia ao funeral. Até havia gente a rir e a contar histórias. Por impulso, pensei que aquelas bestas é que mereciam estar a ser enterradas, mas vivas. Depressa me passou quando, envergonhado, pensei que deveria estar a verter lágrimas. Afinal era o meu melhor amigo que estava ali. Tínhamos passado juntos os melhores anos da minha vida. Fizemos infinitas histórias, e até tinhas uma musica:
Os Migos, os Migos são danados dos matos e das matinhas…
Os Migos são danatos e gostam ambos de meninas,
Eles são, eles têm um canhão!
Continuei a olhar em volta e acredito que mais de metade, eram conhecidos. Nunca fui a um funeral de alguém conhecido. Eu estava ali porque era inevitável. Não tinha gosto de ali estar. Não queria deixar a minha homenagem, essa sempre foi feita a dois. Eu e ele. Tudo tem que ser feito em vida - Os agradecimentos e arrependimentos não se fazem na presença do coveiro. Nada parece bem quando já não dá para o sentir. Não quero saber se quando eu morrer vão estar 10 ou 300 pessoas. Se estiverem que estejam de coração. A minha atenção tinha que fugir de mim próprio, não aguentava o que ia dentro de mim, um vazio aterrador, e por causa disso continuei a vasculhar, naquele cenário, alimento para o meu ego podre e putrefacto. Até apanhei uma Tia dele a tirar um macaco do nariz. Sem que nada o fizesse prever o irmão dele agarrou-se a mim e soltou um gemido que nunca tinha ouvido. De repente senti-me bem. Não por ele mas por mim. Tudo o que eu tinha que sentir, senti naquele momento… e despedi-me dele como teria que ser. Com um choro compulsivo.

TEXTOS QUE ME ENTRISTECEM

Prós e Contras

Todos sabemos que temos que andar com as calças folgadinhas caso seja preciso arregaçar à pressa. Ninguém tem dúvidas disso. O último programa “Prós e Contras” gravado em Angola foi um exemplo, diria escandaloso, disso mesmo. Foi degradante para a história da nossa nação as figuras que tivemos que fazer. Pelo menos eu, ainda tenho orgulho de dizer que sou Português e não queria de maneira nenhuma deixar de o ter. O jornalista Rosa Mendes que tentou mostrar a vergonha de uma nação, tornou o caso mais vergonhoso ainda por ESTE motivo! Mas nada como histórias pessoais, também elas vergonhosas, para apaziguar a alma dos inconformados - Já me tinha acontecido, tentar salvar alguém de morrer afogado. A primeira vez e única, até este fim-de-semana que passou, foi no Gerês quando a dois metros da margem do rio o meu amigo de alcunha “Salmão”(de certeza que não foi pelos dotes de nadador que lhe puseram a alcunha, porque estes meninos nadam contra a corrente como ninguém) começa a esbracejar ...

SER DIFERENTE CUSTA E NÃO É POR TER A MANIA

Saber não fazer nada é cada vez mais uma arte - já falei sobre isto – e nos dias que correm, porque o tempo não pára, faz-me cada vez mais sentido. Numa sociedade que nos suga e nos impinge objectivos, os meus, os objectivos, são cada vez menos. Não tenho grandes metas, mas tenho uma grande meta: Ter a possibilidade de não ter nada para fazer. E isto, meus amigos, não se alcança do pé para a mão. Poder não fazer nada é cada vez mais uma bênção que poucos podem alcançar. A rapidez dos dias de hoje sega-nos. Será propositado? Talvez, mas o facto de não nos darem tempo para fixarmo-nos num ponto, para podermos observar com calma, torna tudo numa montanha linda e apejada de lixo. Por isso, como poderemos acalmar e abrandar a azafama da nossa vida, do nosso ninho familiar? Lá fora podem andar todos a mil à hora, numa tormenta de carneiros. Será que conseguimos escapar deste trilho? Sim, podemos. Como? Comprando o tempo. Só com dinheiro do nosso lado poderemos dizer que “não” a muita ...

Mulheres

Os homens não se medem aos palmos, já as mulheres ninguém tem ideia de como é que se podem medir. Todos sabemos as enormes habilidades que têm para encontrar uma boa discussão num pacote que ficou meio aberto, ou uma gaveta que ficou mal fechada. Temos essa noção e lutamos constantemente por uma perfeição completamente utópica. Pela história da humanidade comprova-se que muitos desistiram a meio. Mas só para ganhar fôlego, voltaram sempre a tentar, são poucos aqueles que não meteram, de novo, a cabeça no cepo. Continuaremos sempre a insistir e há heróis que conseguem uma vida inteirinha partilhada com o furacão feminino. São raros os casos em que assumem uma vida sem justificações - fazer exactamente aquilo que lhes apetece, chamada uma vida livre, uma vida de sonho. A pergunta parece ser simples “porquê?” Será que existe uma resposta coerente? Uma das justificações pode ser o facto de o ser humano ter um instinto masoquista. Mas penso que o caminho não será por aí. Todos sabem...

A senhora que corria!

Corria a Senhora, e diga-se, com uma pressa como nunca a vi, quando uma das botas lhe salta. Voltará atrás? Será a pressa tão importante para mesmo assim continuar sem se preocupar com mais nada? … a senhora voltou mesmo atrás! Sentou-se no banco do jardim mais próximo e, com uma calma inesperada, descalça a outra bota e de dentro da mala puxa de um caixa que continha uvas podres! Indignada joga tudo para o lixo e volta a correr desalmadamente … Não viu que atravessara uma estrada muito movimentada. Foi tolhida por um camião! Pobre coitada. Todos lhe juravam um futuro risonho!