No outro dia um amigo meu veio ter comigo e disse-me: “Acho que perdi a minha mulher para outro homem!” Achei estranho, em primeiro lugar, ele nem me ter dito “Bom dia!”. Sempre foi muito educado, e em segundo, perguntei-lhe se ele a tinha visto a beijar alguém. Respondeu-me que a tinha visto a rir muito com um colega de trabalho. Confesso que fiquei aliviado por ele. Nunca na vida o humor conquista alguém. No meu caso eu conquistei a minha mulher por pena. A minha vida na altura não estava fácil, andava perdido na vida e acredito que o sentido solidário veio ao de cima e foi o que iniciou um sentimento fraterno por um ser inferior - Como quem adopta um cão abandonado. Na verdade acredito que o sentido de humor pode parecer que no início se leva vantagem, mas através deste eu já tive sérios problemas. Nunca sei quando e onde parar. Conto pelos dedos de uma mão, e porque não tenho menos dedos noutro membro qualquer, as namoradas que eu conquistei. Nunca na vida uma piada fez com que alguém me beijasse, ofegante e sofregamente, a boca. Ou mesmo outro sitio qualquer. A comédia e a sedução, acho, que trabalham em campos completamente opostos. E esse sempre foi o meu problema. Na hora da verdade o meu cérebro em vez de se concentrar naquele momento quente e romântico, fugia para sítios onde nem os ciganos se atrevem a ir.
Por exemplo no outro dia a minha mulher disse-me que me estavam a nascer pelos nas orelhas. Não parece simpático, numa conversa de casal, se iniciar o dia com um golpe baixo destes. Mas como todos sabem, e dirijo-me aqueles que estão juntos ou casados há algum tempo, as formalidades deixam de existir. O “Bom dia amor!” só existe na cabeça de quem finge não se focar, única e exclusivamente, no lado mau do ser que partilha a cama todos os dias. A mulher então é exímia nesta característica. Se numa entrevista alguém te perguntar quais são os teus defeitos, e para não fazeres figura de parvo ao responderes o que todos respondem: Teimosia. O melhor é ouvires, e apontares, o que a tua mulher tem para te dizer todos os dias. Voltando aos pêlos nas orelhas, eu confesso que de início fiquei contente com aquela informação. Havia algo a crescer no meu corpo. Onde tudo começa a querer se deformar e cair, os pêlos nas orelhas começavam a brotar. A puberdade parecia ter encarnado no meu espírito. Via ali uma nova forma de virilidade. Quando estava no meu auge de glorificação vejo uma pinça a se aproximar da minha orelha esquerda. Nunca na vida os vou tirar… e a não ser hoje, é qualquer dia destes.