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Gentileza by Eva dos Anões


O meu amigo João foi Pai pela primeira vez há dois meses. Fui ontem conhecer o Mário. Como é obvio estava babadíssimo e a pergunta ia surgir mais tarde ou mais cedo. Mas fomos os dois adiando o inevitável. A contemplação do Mário ainda durou mais do que eu poderia imaginar que fosse possível. Eu percebo em parte o fascínio, mas estamos a olhar para um bébé que não faz mais do que beber leite, vulsar, mijar, cagar, chorar e depois dormir. Não poderia fazer esta desfeita ao João e continuava com o meu melhor sorriso nos lábios. Ainda cheguei a pegar nele com todo o cuidado possível.
 - é lindo não é ? – Perguntou-me o João como se eu tivesse com um botim de sola vermelha da Prada.
 - é lindo João, é perfeitinho!
Sempre me safei com esta resposta. Todos ficam maravilhados com o “perfeitinho” e eu ainda mais maravilhada fico por se ficarem por aí. Sou sincera e não me levem a mal por dizer isto. Prefiro pessoas já formadas e de preferência inteligentes. Gosto de conversas profundas que me arrepanham a alma e tocam o sino do meu espirito. Não gosto do fútil, da conversa de ocasião e não me revejo no protocolo. Atenção que o João sabia disso e se calhar foi por isso que não me fez mais do que essa pergunta. Pelo menos em frente à Teresa. A Teresa é uma mulher simples e de sorriso fácil. A gentileza da sua personalidade foi o que conquistou o João, embora ele saiba melhor do que eu que nunca terá mais do que aquilo que tem. Já fizemos sexo muitas vezes. Eu e o João. Somos amigos de infância e nunca vi nele mais do que isso. Ele sempre foi apaixonado por mim. Ainda hoje eu lhe vejo o brilho nos olhos. Custa-me, claro que sim. Sei que não lhe posso dar mais do que isto. Visitas espaçadas e não mais curtas que um par de meses. Tenho respeito e muita amizade por ele. É um homem honesto e principalmente boa pessoa. Com um coração enorme. Seria um marido que eu domaria a meu belo prazer. Hoje choro sozinha no meu quarto. Por vezes grito por uma companhia. Levo os dias como eu quero mas sem a partilha tudo se torna vão. Não me queixo e não gosto de pessoas que se queixam. Não quero saber de problemas que não cabem cá dentro. A Teresa foi dar de mamar ao Mário e o João aproveitou para me tirar dali. Fomos fumar um cigarro à janela. Normalmente é fácil ter temas de conversa porque são muitos anos e as histórias são muitas. Mas desta vez não dissemos nada um ao outro. E é disto que eu mais gosto do João. Ele respeita e percebe os meus silêncios. Por vezes não há nada por dizer.
 - João anda mudar a fralda ao Mário! – Vinha a Teresa ainda com o mamilo de fora e a dar palmadinhas nas costas do pequenote, enquanto dizia – É um porcalhão o meu filhote, não é? Pois é!
Foi a altura perfeita.
 - Meninos, vou-vos deixar porque há momentos que não são para ser partilhados!

Eva dos Anões
 

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